Nascituro, outro corpo, outras regras... outra vida, afinal

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Autor(es): dc.contributor.authorSotta, Mauricio Doff-
Data de aceite: dc.date.accessioned2025-04-23T18:36:25Z-
Data de disponibilização: dc.date.available2025-04-23T18:36:25Z-
Data de envio: dc.date.issued2025-
identificador: dc.identifier.otherNascituro, outro corpo, outras regras... outra vida, afinalpt_BR
Fonte: dc.identifier.urihttp://educapes.capes.gov.br/handle/capes/972772-
Resumo: dc.description.abstractPermito-me escrever esta apresentação em 1ª pessoa do singular, pois entendo conveniente expor alguns aspectos pessoais que dizem respeito à elaboração do presente estudo. O gérmen deste ensaio nasceu já quando tive notícia da propositura da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442, de 2017 (ADPF/442), junto ao Supremo Tribunal Federal brasileiro, cuja pretensão é a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, por livre disposição da mulher ou ao seu livre-arbítrio. Em setembro de 2023, foi divulgada a versão “em elaboração” do voto proferido pela então relatora daquela ação, anuindo parcialmente com o pedido inicial. Porém, o impulso para realmente levar a cabo tal empreitada veio com as intensas polêmicas que se levantaram, em particular, a partir da divulgação e posterior suspensão, da Nota Técnica Conjunta nº 2/2024-SAPS/SAES/MS, datada de 28 de fevereiro de 2024, a qual preconiza que o aborto, no caso de gravidez resultante de estupro e de nascituro com anencefalia, pode ser realizado em qualquer idade gestacional, mesmo no extremo final da gravidez e que o nascituro tenha francas condições de sobreviver ao parto. Esses e outros fatos que lhe são contemporâneos provocaram uma reviravolta na minha ideia inicial. Se tinha a intenção de centrar os estudos na possibilidade jurídica de se admitir, no Brasil, a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, em artigo de não mais de trinta páginas, percebi que não mais seria suficiente. Toda a celeuma surgida no 1º semestre de 2024 trouxe a lume outras questões relevantes e controversas a respeito do aborto e, na medida em que passei a estudar e me aprofundar no tema principal e nos provocados por aquelas questões, outros surgiram e foram se desdobrando, inclusive enquanto pesquisava e escrevia, de modo que o estudo acabou resultando neste livro, extenso, mas ainda incompleto, a meu ver. Bem! desde o início minha intenção fora analisar a questão do aborto do ponto de vista exclusivo do Direito, escoimado, tanto quanto possível, de influências outras, como filosóficas, sociológicas, ideológicas, político-partidárias etc. e, principalmente, religiosas ou espiritualistas, mesmo eu sendo espiritualista, como a imensa maioria da população brasileira. Creio que isso é absolutamente necessário, quando alguém se propõe a uma análise sob enfoque jurídico de temas que dizem respeito à vida, como o aborto, ou, em geral, a realizar pesquisas científicas. Nada obstante, a total neutralidade do pesquisador parece ser uma utopia inalcançável e embora deva ser por ele arduamente buscada, suas posições pessoais podem implicar risco de viés e devem ser declaradas – e já declaro algumas aqui e tornarei, no primeiro tópico, aos possíveis riscos de vieses que, na minha percepção, devem ser apontados. Enquanto advogado, muitíssimo raramente atuei em Direito Penal, de modo que reconheço que não sou especialista nessa área. Minha vocação, desde o primeiro dia de aula no Bacharelado em Direito, na Universidade Estadual de Ponta Grossa, foi o Direito Civil, estimulado e instigado pelas aulas do querido Professor Wilson Jerônimo Comel, a quem homenageio, derivando para o Direito Societário, tema da minha dissertação de Mestrado em Direito Privado, sob orientação do Prof. Dr. Marçal Justen Filho, na Universidade Federal do Paraná. Mais tarde, por força da atuação profissional na Diretoria Jurídica do Banco do Brasil, adentrei em outras searas jurídicas, tais como o Direito Público – especialmente nas áreas de licitações/contratos administrativos e das relações entre o Estado e suas sociedades de economia mista que exercem atividade econômica –, o Direito Bancário e Financeiro e o Direito Previdenciário Privado, mas Civil e Societário sempre se mantiveram na linha de frente das minhas investigações jurídicas, como igualmente o Direito Constitucional, pois, até por dever de ofício e para bem cumprirmos nossa função onde quer que atuemos, todos os advogados devemos ser constitucionalistas. Todavia, sempre me interessei pelos temas inerentes ao Direito Penal – creio que todo estudante e profissional do Direito sente por eles atração em alguma medida, ainda que se dedique a outras áreas –, mas confesso que, antes de me debruçar nas pesquisas para este ensaio, meus conhecimentos sobre o aborto não passavam muito das noções que trazia da época de estudante de Direito e de alguns acréscimos que vieram depois. Em síntese, sabia que se trata de crime tipificado em modalidades diversas no Código Penal, que prevê duas excludentes de punibilidade – para salvar a vida da mulher gestante e em caso de gravidez resultante de estupro –, às quais o STF acrescentou o aborto de nascituro com anencefalia, por meio da ADPF/54. Ao tomar conhecimento da ADPF/442 e tendo apenas essas noções muito rudimentares, logo me ocorreu uma impressão um tanto vaga de que, no Direito brasileiro, a vida do nascituro gozaria de proteção desde a concepção e não seria possível admitir o aborto ao livre-arbítrio da mulher, qualquer que fosse a idade gestacional. Isso virou uma indagação que, desde então, me perseguiu, até que, ao concluir o presente estudo, aquela vaga impressão se transformou em convicção plena: no Brasil, o direito à vida do nascituro é dotado de absoluta prioridade e se configura como cláusula pétrea da Constituição Federal (CF) de superior hierarquia em essência, sobrepondo-se a quaisquer outros direitos, incluídos os que possam ser atribuídos à mulher que o gera, mesmo que por outras cláusulas pétreas, com a única exceção do direito à vida dessa mulher, que há de ser preservado em qualquer situação, mesmo à custa da vida do nascituro, se não houver outro meio. Por consequência, são antinômicas, quer as demais excludentes de punibilidade atualmente admitidas no Direito brasileiro – inclusive do aborto no caso de gravidez resultante de estupro, conclusão essa que, confesso, até me surpreendeu, pois, por viger há mais de oito décadas, é ensinada como certa nas disciplinas de Direito Penal –, quer o aborto ao livre-arbítrio da mulher em qualquer idade gestacional, como pretendido na ADPF/442. Importante dizer que me baseio em uma concepção sistemática do Direito brasileiro, vendo-o como um sistema jurídico, cujo repertório é encimado pela CF e constituído das normas jurídicas nela contidas e das normas infraconstitucionais válidas, incluídas as oriundas de tratados/convenções/pactos internacionais ratificados e internalizados pelo Brasil, mais as que exsurgem da jurisprudência consolidada. Na estrutura desse sistema, vigora o preceito da supremacia das normas emanadas da CF sobre todas as demais, que também há de ser observado na análise delas próprias, dada, p.ex., a preeminência das cláusulas pétreas sobre todo o arcabouço jurídico, a ser observada inclusive quando da edição de emendas à constituição. Empreguei o método dedutivo, talvez o mais comum na pesquisa jurídica, e o processo consistiu, fundamentalmente, em testar se aquela impressão um tanto vaga seria ou não encampada pelo Direito brasileiro. Para isso, busquei normas do repertório do sistema jurídico nacional – tantas quantas pude encontrar – que direta ou indiretamente se referissem aos objetivos por mim traçados, e as confrontei com as normas da CF, e, depois, entre si, o que consistiu, respectivamente, no 1º e 2º testes que realizei. A busca de normas não foi exaustiva e é evidente que não encontrei todas as que se relacionam com meus objetivos, mas acredito que consegui contemplar as mais relevantes. Trago poucas referências de juristas de renome e de obras jurídicas consagradas, o que pode até ser considerado uma falha, mas optei por, de um lado, interpretar diretamente as normas jurídicas que localizei e, de outro, dar preferência a trabalhos disponíveis gratuitamente na Internet (open access), portanto, de fácil acesso a quem quer que por eles se interesse. Entretanto, nenhum dos entendimentos e conclusões que manifesto são originais, pois há muitos trabalhos de autoras e autores mui dignos de respeito que os corroboram, alguns dos quais citados, ainda que possamos divergir em determinados pontos não essenciais, o que, no meu entender, não desmerece em nada os trabalhos que referencio, nem, tampouco, invalida as conclusões por mim obtidas. O que talvez me tenha sido possível foi aprofundar um pouco mais os temas versados – o que nem sempre se pode fazer, principalmente quando se trata de artigos, dadas as limitações impostas pelas revistas científicas, inclusive jurídicas – e, quando muito, poderei ter feito alguma ou outra abordagem original sobre um aspecto ou outro desses temas. Também se perceberá que praticamente não são referidos trabalhos pró-aborto, mas isso é resultado de economia “processual”: o voto da, então, relatora da ADPF/442, além de se tratar de uma peça processual muito bem escrita, resume, senão todos, os principais argumentos em prol do aborto ao livre-arbítrio da mulher defendidos no Brasil (e em algumas outras partes do Mundo). O mesmo se dá no acórdão proferido na ADPF/54, quanto aos argumentos pró-aborto em caso de anencefalia. Assim, no 3º e derradeiro teste, confrontei os argumentos pró-aborto de cunho jurídico colhidos nos aludidos voto e acórdão com as normas jurídicas constitucionais e infraconstitucionais que analisei, de modo a verificar sua coerência com o sistema jurídico brasileiro. Porém, não haverá referência especifica aos testes que realizei, pois, na verdade, foram exercícios mentais e raciocínios que desenvolvi ao longo das pesquisas e da escrita, de modo que à frente vão os seus resultados, em relação a cada tópico abordado. Notar-se-á que, ao escrever, parcialmente inverti a ordem de exposição, começando por normas infraconstitucionais, para chegar às constitucionais e voltar às primeiras, o que talvez estranhe a quem está acostumado(a) a trabalhos jurídicos dessa espécie. Isso, porém, se deve à linha de raciocínio que desenvolvi e, creio, será esclarecida ao longo do estudo. Sem desdita, porém, a prevalência das normas de hierarquia superior em essência da Carta Magna sobre quaisquer outras do repertório do ordenamento jurídico brasileiro é o norte seguro, necessário e eficaz para a obtenção de conclusões juridicamente válidas, como espero sejam as que obtive. Creio que daí se pode perceber que me cingi ao Direito brasileiro posto ou positivo, buscando analisá-lo à luz da CF, e não me preocupei em desenvolver um estudo nos moldes da pura Ciência do Direito. Em verdade, não me julgo plenamente habilitado para empreitadas dessa natureza, e nem creio seja essa minha vocação primeira. Além disso, a atual CF não à toa é cognominada Constituição Cidadã e, ainda que possa ter algumas falhas e/ou lacunas, posso afirmar, sem muita margem para erro, que é o melhor texto constitucional que o Brasil já teve em toda a sua história. Na minha opinião, os problemas que se possam atribuir à Constituição Cidadã advêm, muito mais, de interpretações canhestras de determinadas normas nela encontradas, ou que, sem a tomar em sua integralidade e unicidade, segregam dispositivos que são interessantes para alguns fins e excluem os que são desinteressantes para esses mesmos fins – não raro patrocinadas por ideologias político-partidárias de plantão que com isso visam, na maior parte das vezes, apenas aos seus próprios projetos de manutenção no poder, com flagrante menosprezo ao Direito brasileiro, assim como às parcelas do Povo brasileiro que talvez não contribuam com seus votos e apoios financeiros para tais projetos – e, igualmente, da falta de regulamentação de todos os dispositivos da CF, mesmo hoje, passados quase 36 (trinta e seis) anos de sua promulgação. Que esses e outros problemas sejam superados para que a Constituição Cidadã seja respeitada na sua inteireza e que tenha longa vida! O estudo não dispensava, além da definição de alguns termos e expressões que serão amiúde utilizados, para evitar ou minimizar confusões, dois tópicos expositivos, contendo noções preliminares que julguei necessário trazer à baila, para melhor compreensão das conclusões a que chego. O primeiro trata de alguns aspectos da embriogênese humana, o que, a meu ver, é uma lacuna em alguns trabalhos jurídicos sobre o aborto que se propõem a um exame mais aprofundado do tema, conquanto não seja necessário descer a minúcias a respeito. Foram de muita valia, a esse propósito, os conhecimentos que adquiri no Bacharelado em Musicoterapia que cursei na Universidade Estadual do Paraná (Campus FAP), como os relacionados a anatomofisiologia, desenvolvimento humano, neurociências, psicopatologia e outros. Claro que se trata de conhecimentos limitados, pois restritos às necessidades do musicoterapeuta enquanto profissional da saúde, e que não se equiparam aos de um médico, enfermeiro, fisioterapeuta etc., que lidam diretamente com o corpo humano e precisam, com profundidade, conhecê-lo e as patologias que possam afetar seu funcionamento. Porém, me permitiram compreender mais facilmente alguns aspectos da Embriogênese e da Medicina que permeiam o aborto e que – assim espero – tenha conseguido trazê-los de forma clara, de modo a permitir, mesmo a quem não detém qualquer conhecimento nessa seara, a compreensão das questões que serão abordadas. O segundo consiste numa breve exposição a respeito de sistema jurídico, pois não se trata de uma noção unívoca e julguei conviesse ficar de pronto esclarecido o que entendo por sistema jurídico e como o enxergo. Importa anotar que a dicotomia entre materialismo e espiritualismo nas Ciências interessa aos temas versados, que tratam do direito à vida, cujo conteúdo e extensão podem ser afetados por posicionamentos oriundos de uma e outra dessas vertentes. Apesar disso, já referi nesta apresentação e também apontarei no tópico introdutório do estudo, que não me ative a questões relacionadas à religiosidade/espiritualidade, nem tampouco, à polêmica materialismo versus espiritualismo. Nada obstante, entendi oportuno fazer um apêndice, onde anotei algumas das minhas considerações acerca da dicotomia entre materialismo e espiritualismo nas Ciências neste séc. XXI, com o fito de, ao menos, colaborar quanto ao discernimento de eventual risco de viés que isso possa representar e, quem sabe, promover outras e melhores reflexões a respeito desse debate. Como em qualquer trabalho científico, profissional, acadêmico etc., chega um momento em que seu(sua) autor(a) tem que dar um basta: suspender as pesquisas, embora tentado(a) a continuá-las, para se dedicar à redação e revisão do texto final. Fixei esse momento na data que vai ao final desta apresentação, que também marca o dia em que revi todos os links das referências e páginas citadas em notas de rodapé, bem como o andamento das ações judiciais referidas. Esclareço que não utilizei inteligência artificial (IA) para a elaboração do texto e as diversas versões finais foram inúmeras vezes revistas, até chegar a este resultado. Certamente não é perfeito, pois ainda pode haver erros da língua portuguesa, de referências a normas, de menção a páginas em citações ou até outros mais relevantes, mas, de todo modo, espero não tragam prejuízo à compreensão do quanto exposto, ao tempo em que agradeço se me forem apontados, para as erratas que sejam necessárias ou, quem sabe, até para uma nova edição. Finalizando esta apresentação, se o aborto é um assunto polêmico de per si, os entendimentos que trago podem ser tudo, menos isentos de contraposição, especialmente de pessoas e grupos que se postam pró-aborto no Brasil (e talvez fora dele). Porém, não descuro que se possam contrapor também pessoas/grupos que se manifestam contra o aborto, dado que admito a extensão da excludente de punibilidade do aborto para salvar a vida da mulher às situações que derivem de sofrimento psíquico grave e lhe acarretem risco de morte, qualquer que seja a causa da gravidez, o emprego da pílula do dia seguinte e a entrega à adoção de filho(a) concebido em decorrência de estupro ou no caso de anencefalia e outras questões controversas. Ademais, sigo uma linha nada conservadora quanto a família/entidade familiar, casamento/união estável, heterossexualidade/homossexualidade/transexualidade, casamentos abertos, casais/trisais/quadrisais etc., e teço críticas à deficiente e ineficiente atuação do Estado brasileiro nas áreas da saúde e educação sexual e reprodutiva, planejamento familiar, métodos contraceptivos e à prevenção da anencefalia e outras anomalias do nascituro, assim como na própria educação em geral – o que se evidencia há pelo menos uma década nos ensinos fundamental e médio, cada vez mais claramente –, em detrimento de mulheres (e homens), principalmente das mais desfavorecidas. Agrega-se a isso a ausência de normas infralegais e orientações que viabilizem a efetiva persecução penal de agentes de crimes sexuais, mormente de crimes de estupro e estupro de vulnerável, hoje apuráveis por meio de ação penal pública incondicionada e que podem ter, quer como vítimas, quer como agentes, mulheres e homens, indistintamente. Vivendo em uma época de polarizações – em que, geralmente, o valor consiste em desvalorizar o antagonista, real ou imaginário, ainda que possa defender ideias válidas e oportunas – e diante de toda a celeuma que o aborto e demais temas tratados provocam, bem como dos entendimentos que aqui assumo e conclusões a que chego, a partir da principal já enunciada, não me surpreenderá em nada que o presente estudo e eu próprio recebamos críticas de gregos e troianos, as mais variadas possíveis.pt_BR
Tamanho: dc.format.extent3940pt_BR
Tipo de arquivo: dc.format.mimetypePDFpt_BR
Idioma: dc.language.isopt_BRpt_BR
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Licença: dc.rights.urihttp://creativecommons.org/licenses/by-nc/3.0/br/*
Palavras-chave: dc.subjectNascituropt_BR
Palavras-chave: dc.subjectVidapt_BR
Título: dc.titleNascituro, outro corpo, outras regras... outra vida, afinalpt_BR
Tipo de arquivo: dc.typelivro digitalpt_BR
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