Modernidade, natureza e conflitos socioambientais

Abstract

Na atual fase de desenvolvimento econômico, marcada pela espoliação e acumulação de capital, os conflitos socioambientais, entre atores e sujeitos com territorialidades diversas, são importantes expressões de resistências e espaços de construção de alternativas. Nesse sentido, observa-se que as instituições estatais, de matriz moderna e ocidental, construídas para atender ao modelo econômico vigente, criam mecanismos para ordenar o território. Mesmo fornecendo diversos modelos para realizar essa organização, nota-se a ocorrência de diversos conflitos que acabam acontecendo, seja em razão da omissão do Estado em determinar de forma justa o uso da terra e dos recursos naturais, seja numa atuação deficitária, em que os mecanismos são utilizados de forma deficiente, pois a realidade social envolvida é complexa e, por vezes, não cabe nas fórmulas criadas pela legislação e pelas políticas. Neste imbróglio de terra, natureza e gentes, encontra-se de forma evidente uma realidade de desigualdade social, onde poucos se colocam como detentores desses elementos e muitos permanecem à margem daquilo que lhes é fundamental para sua vida (existência), e reprodução cultural. Ao não chegarem ao acesso pleno do que é fundamental, parcelas da sociedade começam a desafiar os modelos postos, buscando formas alternativas de viver e de se colocar diante da complexidade socioambiental, numa autêntica postura de re(existência), ressignificando seus papéis na sociedade, em especial na América Latina e no Brasil. O objetivo deste livro é proporcionar ao leitor uma visão geral dos conflitos socioambientais numa perspectiva decolonial, através de uma reflexão crítica sobre a modernidade e suas formas de interpretar o mundo, em especial quanto à relação entre natureza e sociedades na América Latina e no Brasil. Entendemos que a compreensão desse contexto, que sistematizamos nas próximas páginas, pode ser útil para a interpretação dos conflitos socioambientais. Para trabalhar este tema e suas interrelações, vamos partir da modernidade, pela ótica do sistemamundo moderno, colonial e capitalista e da colonialidade do poder, analisando o papel da ciência no processo de fragmentação da natureza e as consequências socioambientais para a América Latina: A importância desta abordagem consiste em compreender a lógica de gestão da natureza trazida pela modernidade e pelas relações econômicas do modelo capitalista. É esta a lógica que será o fundamento dos modelos de exploração dos povos, da terra e da natureza, além de também nortear as políticas fundiárias e ambientais adotadas pelo Estado na América Latina e no Brasil. Como um livro propedêutico quanto ao tema, também buscaremos abordar a ideia de natureza, seus modos de conhecer, suas relações com as distintas sociedades e implicações quanto aos conflitos socioambientais. Para atender a este objetivo também será necessário o estudo do processo de mercantilização da natureza, pois a partir dele se estabelece uma postura destrutiva fomentada pelo modelo econômico capitalista para realizar a expropriação ambiental, através da acumulação por espoliação, culminando nos conflitos de natureza socioambiental. Esperamos que, a partir da leitura dessas páginas, seja possível identificar e questionar como nascem os conflitos socioambientais, para que sejam compreendidos dentro da complexidade que o tema exige, auxiliando, de algum modo, na construção de um aporte para pensar soluções para o acesso à terra e aos elementos da natureza de forma equitativa.